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Comprar e ter só para si - quando precisamos de algo novo, essa é a opção óbvia. Mas cada vez mais gente percebe que não é a única. Compartilhar pode ser bem mais barato e sustentável
Texto: Gisela Blanco e Jéssica Martineli // Ilustração: Catarina Bessell
 

Comprar e ter só para si - quando precisamos de algo novo, essa é a opção óbvia. Mas cada vez mais gente percebe que não é a única. Compartilhar pode ser bem mais barato e sustentável. Certamente você já viu uma criança se agarrar a um brinquedo e repetir: “É meu! É meu!”. Aí, a mãe explica: “Esse não é seu, é do fulano” ou “É de todas as crianças do parquinho”. Desde pequenos, aprendemos a possuir coisas. E a entender o que devemos ou não dividir.

Mas prepare-se para reaprender. Uma nova onda está mudando a forma como adquirimos e utilizamos os bens - das verduras que comemos ao carro que dirigimos. Em vez de comprar, a ideia é compartilhar. Pagar pelo uso, e não pela posse - o que traz vantagens para o bolso e para a natureza.
Pesadelo do carro próprio
Um bom exemplo do consumo colaborativo - nome pelo qual essa tendência vem sendo chamada - é o compartilhamento de carros (ou carsharing, em inglês). A advogada Cristiane Rocha, de 34 anos, é uma das pessoas que viram sua rotina melhorar graças a essa novidade.
Cansada do transito de São Paulo, ela decidiu vender o carro e se mudar para perto do trabalho, a uma distância que pudesse percorrer a pé. O único problema era quando precisava visitar um fórum distante. Foi aí que ela descobriu uma empresa que há dois anos trouxe o conceito do carsharing dos Estados Unidos para o Brasil, a Zazcar.
Funciona assim: o usuário paga uma mensalidade e pode utilizar os carros da empresa sempre que precisar. Os automóveis estão disponíveis em vários pontos da cidade, geralmente próximos a estações do metrô. Para liberar o carro, o cliente usa um cartão que é reconhecido pelo computador de bordo do veículo. Os quilômetros rodados são cobrados direto no cartão de crédito.
“Antes, eu desembolsava 1.300 reais por mês só com o financiamento do carro. Hoje, incluindo ônibus, táxi e carsharing, gasto entre 300 e 400 reais”, calcula Cristiane. O meio ambiente também agradece. Segundo Felipe Barroso, sócio da Zazcar, cada veículo compartilhado equivale a 13 que são retirados das ruas. “Quando vendi meu carro, reduzi não só o meu estresse, mas também o da cidade”, afirma Cristiane. Felipe acrescenta: “Por não dependerem apenas do automóvel, os usuários desse sistema se tornam pedestres mais conscientes, que se preocupam com questões como o estado das calçadas”.
Prova de que o compartilhamento de carros tem força para virar tendência é o fato de o próprio conceito já ter evoluído para um modelo ainda mais participativo. Na Inglaterra já existe um site (o whipcar.com) por meio do qual é possível não só pagar pelo uso temporário de veículos, mas também disponibilizar o próprio automóvel para ser alugado. Para quem não tem carro, é um jeito prático e barato de poder usar um. E, para quem tem, é uma forma de transformar o tempo ocioso do veículo em renda extra.
Paraíso comunitário
A grande vantagem da internet para o compartilhamento de bens é permitir que pessoas que moram a quilômetros de distância entre si descubram interesses complementares. Mas às vezes não é preciso ir longe. O jornalista Daniel Nunes, de 39 anos, sonhava em ter um sítio para onde fugir nos fins de semana, mas sozinho não poderia comprar um. Encontrou nos sete vizinhos da vila onde mora, em São Paulo, os parceiros ideais. Juntos, eles compraram um sítio em Juquitiba, a apenas uma hora da capital, com três quartos, piscina, orquidário, horta, pomar e até pequenas cachoeiras.
Por meio de uma lista de e-mails, uns avisam os outros sobre os dias em que pretendem ir para lá, se vão fazer festa ou descansar, se vão levar convidados. A manutenção também é compartilhada. Cada um tem uma função: Daniel, por exemplo, é responsável pelo lixo. Quando alguém se descuida das suas obrigações é que normalmente surgem os conflitos. “Algumas brigas são inevitáveis. Mas resolvemos tudo com muita conversa e respeito”, diz o jornalista. “Todos sabem, por exemplo, qual é a cama preferida de cada um. Aprendemos a respeitar as preferências.” Mensalmente, é feita uma reunião, para discutir questões gerais e apresentar o relatório de despesas. Para o futuro, os amigos pretendem criar um estatuto, com regras ainda mais claras. “Com amizade e senso de cooperação, convivemos muito bem”, diz Daniel.
Salada cooperativa
Juntar forças entre vizinhos também pode ser muito vantajoso na hora de adquirir bens de consumo imediato, como alimentos. Foi isso que fez a professora aposentada Miriam Langenbach, de 67 anos. Há uma década, ela e outros moradores da Av. São Sebastião, no Rio de Janeiro, se uniram para comprar vegetais orgânicos diretamente dos produtores.
No início, era só uma forma de conseguir produtos de qualidade por um precinho melhor, já que compravam em grande quantidade. Aos poucos, Miriam foi percebendo que era também uma ótima maneira de reforçar o senso comunitário. Assim, nasceu a Rede Ecológica, que hoje tem 170 famílias participantes.
As compras são feitas semanalmente ou a cada período de 15 dias. Os associados fazem o pedido com antecedência e vão buscar a encomenda num ponto de entrega combinado. Lá há uma pessoa remunerada que faz a separação dos itens. Para cobrir esta e outras despesas coletivas, cada membro paga uma mensalidade. Mesmo assim, o preço final sai mais em conta do que na feira ou no mercado.
Uma vez por mês, chegam os produtos secos, como arroz e feijão. Aí todos se unem num mutirão para a divisão dos pedidos. Pelo menos uma vez por ano, cada associado tem de aparecer nesses encontros. “A participação de cada um é essencial. Não queremos simplesmente economizar, mas nos aproximar dos vizinhos e também dos produtores”, conta Miriam. São os próprios membros da cooperativa que vão às plantações escolher os fornecedores. “Além de tudo, contribuímos para que os trabalhadores permaneçam no campo, evitando o êxodo rural”, orgulha-se a fundadora da rede.
Troca-troca
O consumo colaborativo é uma ótima solução para quando precisamos de algo novo, evitando gastar os recursos naturais para produzir itens que usaremos poucas vezes. Mas e o que fazer com as bugigangas que um dia já compramos e que estão esquecidas num canto de casa?
Nessas horas, a administradora Sandra Santos, de 35 anos, de São Paulo, não pensa duas vezes: acessa um site de trocas e cria um anúncio atrativo. A página que ela costuma acessar é a Toma Lá Dá Cá (http://www.tomaladaca.com.br/), mas existem várias outras que funcionam de forma semelhante: você se cadastra, descreve os itens que quer trocar, pesquisa os que foram disponibilizados por outras pessoas e negocia o escambo.
Sandra já se viu livre de roupas, relógios e acessórios para bebês, entre outros. E pegou em troca artigos como uma churrasqueira elétrica, um espremedor de frutas e um autorama para as crianças. “Eletrônicos e objetos de decoração, por exemplo, eu só adquiro em sites de troca: 90% do que é oferecido está em ótimo estado”, diz.
Sandra usa sites de troca há mais de dois anos. Para milhares de pessoas como ela, frequentar páginas desse tipo já é um hábito, como os sites em que qualquer um pode vender e comprar itens, um exemplo é o Mercado Livre (http://www.mercadolivre.%20com.br/), que já existe há mais de 10 anos. A novidade mais recente são os sites em que é possível alugar ou emprestar qualquer produto. O primeiro portal nacional desse tipo, recém-lançado, é o Descola Aí (http://www.descolaai.com/).
Alugar, emprestar, trocar, comprar em conjunto: são várias as opções na hora de conseguir um bem do qual precisamos. Crescemos acostumados a comprar produtos novos, para nosso uso exclusivo. Mas cada vez mais as pessoas têm percebido que essa é apenas uma das alternativas disponíveis. Se há possibilidades mais baratas e sustentáveis, por que não experimentá-las? Seu bolso e o planeta agradecem.

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