Ainda são raras as instituições de ensino que abrem suas portas para aqueles que não são seus alunos. As experiências mostram que isso dá certo – e faz bem pra todo mundo
Texto: Bruno Moreschi  // Foto: Daniela Toviansky 
 

É sábado de manhã, e o lugar já está cheio. Uma turma joga capoeira; outra, basquete. No parquinho, um monte de crianças. O pessoal do churrasco já está acendendo o fogo. Daqui a pouco chegam os times de futebol, e um grupo da escola de samba vem ensaiar o enredo também. À tarde vai ter casamento, mas a festa não atrapalha o encontro dos budistas na outra sala. No fim do dia, acontece um sarau de música e poesia, que vai terminar em baile com valsa e, quem sabe, até um funk ou uma canja da garotada do cavaquinho. Aqui, tem lugar pra todo mundo.

Esse lugar não é clube, nem academia, nem igreja, nem parque, nem centro cultural. É uma escola pública de ensino fundamental no Peruche, periferia de São Paulo, que abriu seus portões para a comunidade – e, assim, se tornou o maior espaço de convivência do bairro, fazendo as vezes de... clube, academia, igreja, parque e centro cultural, tudo ao mesmo tempo. “Escola não é delegacia, onde só se deve entrar quando há um problema. Aqui podemos educar não só crianças e adolescentes como também todos que moram próximos”, ensina Waldir Romero, o diretor da Comandante Garcia D’Ávila, escola que virou de todos.

Experiências como essa são raras na educação brasileira – e, ainda assim, infinitamente mais freqüentes entre escolas públicas do que particulares. Pena. Porque é bom pra todo mundo. Para os alunos, porque deixam de ver a sala de aula só como obrigação e começam a entendê-la também como lugar de lazer – e as atividades extras são, além de aprendizado, fonte de desenvolvimento emocional. Para os pais, porque, ao se aproximar do colégio, se envolvem mais com a educação dos filhos. A comunidade ganha um novo espaço para aprender, divertir-se e conviver. E para a escola porque, ao ser abraçada, tem chance de se tornar mais bem-cuidada e gerida, já que é um espaço compartilhado (e fiscalizado) por todos.

Por que a escola fecha nos fins de semana? Por que só ir à aula ou
em dia de reunião? Ela pode fazer mais por nós - e nós por ela


Na escola de Waldir Romero, foi isso que aconteceu. Até sua abertura, ela era conhecida como “maloquinha”. Suja, depredada e perigosa, mas começou a mudar depois que o diretor instituiu os bailes de funk e hip hop aos sábados. A iniciativa ganhou o respeito e a boa vontade dos alunos, o que facilitou o convite aos pais para que viessem nos fins de semana praticar esportes. Hoje, a escola está aberta o ano todo. Além das atividades extras – a maioria ministrada por voluntários da comunidade –, como teatro, música e toda sorte de esportes, abriga os eventos de quem é do bairro, desde a escolha da rainha de bateria de escola de samba até casamentos. O espaço ficou limpo e organizado, e a repetência e a evasão escolar diminuíram drasticamente.
  
Fazer uma mudança dessas é um trabalho grande, mas pode ocorrer até de fora para dentro. É o caso do colégio Rui Bloem, em Mirandópolis, que há dois anos é considerado pelo Enem a melhor escola pública estadual da capital paulista, à frente de muitas particulares. Lá, o motor da transformação foi a Associação de Pais e Mestres – que, vejam só, é dirigida por alguém que não é nem professor nem mãe de aluno. A telefonista aposentada Maria Neuza Guidoni tomou para si o trabalho de zelar pelo espaço como forma de agradecimento pelo que seu marido e suas filhas, agora adultas, aprenderam ali. Ela ajuda a administrar as verbas, briga por paredes bem pintadas, jardins floridos e festas para unir a comunidade. “É a nossa escola”, diz.

Esse senso de pertencimento é a chave para envolver pessoas e criar um espaço que atenda todos. Seja pública, seja privada, a escola pode fazer mais – e nós podemos fazer mais por ela. É o que acredita a educadora Fátima Freire: “Não é preciso reinventar a roda para criar uma instituição mais acolhedora”, afirma. “Trata-se de mudar a forma de tomar as decisões. Todos se sentam e discutem o que fazer, como numa reunião de condomínio, em que todos estão interessados no bom funcionamento do prédio.” E, assim como nas reuniões de condomínio, tudo começa com uma medida muito simples: aparecer lá.
 

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