SILÊNCIO NO IPIRANGA
Por Nireu Cavalcanti
A leitura de documentos primários
referentes à História do Brasil é prazerosa,
como se estivéssemos vivendo aquele
tempo, compartilhando a experiência.
Inclusive a surpresa, quando os
documentos são comparados com versões
vigentes. Foi o que aconteceu quando, em
recente pesquisa, eu lia e analisava os
fatos que levaram à Independência do
Brasil, no decorrer dos anos de 1821 e
1822 e concluí que a Declaração de
Independência aconteceu em 1 de agosto,
no Palácio do Rio de Janeiro, e não em 7 de
setembro, em São Paulo, “às margens
plácidas do Ipiranga”. Usei três fontes: o
Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa; a
coleção de Leis brasileiras para o período;
e os jornais brasileiros da época.
Vamos lá. Em agosto de 1820 eclodiu a
revolução dos liberais de Portugal que, no
entanto, não destituíram o rei D. João VI.
Mas, com o advento do Congresso
Constituinte, que desenvolveria o esboço
de constituição liberal, aprovado em 10 de
março de 1821, D. João passou a ser
titulado como Rei Constitucional e mero
assinante dos atos promulgados pelos
revoltosos. Coagido, teve que jurar
fidelidade à constituição a ser elaborada
pelas “Cortes Gerais Extraordinárias”,
legitimando o processo revolucionário e
sua própria expulsão. Mas, em vez de
deixar no Brasil uma Junta, como fora
ordenado, deixou o seu filho D. Pedro
como regente do Reino do Brasil, intimado
pelas Cortes a também regressar a
Portugal com a família. Os moradores e
autoridades civis, militares e eclesiásticas
do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São
Paulo reagiram, o que resultou no famoso
dia do Fico, em 9 de janeiro de 1822, para
“bem de todos e felicidade geral da
nação...”, e todos aclamaram:“Viva a
Religião, Viva a Constituição, Vivam as
Cortes, Viva El Rei constitucional e Viva a
união de Portugal com o Brasil”!
Valente, D. Pedro conseguiu anular a
reação das tropas portuguesas no Rio e
convencê-las a regressarem para Portugal,
sem derramamento de sangue. Jurou
fidelidade a todos, inclusive à pauta liberal:
afinal, ele era um deles.
Em resposta à reação imediata da
Regência e dos constituintes portugueses
— que, na moita, baixaram normas que
pulverizavam o poder central do Rio de
Janeiro entre as províncias, fazendo com
que o Brasil, na prática, voltasse à
condição de colônia — D. Pedro convocou
eleições (3/6/1822), em cada província,
rompendo com as Cortes. As que não
apoiavam D. Pedro, como Bahia,
Maranhão, Pará, Piauí, Goiás, Mato Grosso,
Ceará etc. se negaram a eleger seus
deputados. Finalmente, em primeiro de
agosto de 1822, D. Pedro assume a
proposta política de Independência do
Brasil. Com o título “Manifesto de S. A. R. o
Príncipe Regente Constitucional e Defensor
Perpétuo do Reino do Brasil, aos Povos
deste Reino”, o regente, após uma
introdução contextualizando as razões do
rompimento com as Cortes e com o Reino
de Portugal, declara:
Acordemos pois, Generosos Habitantes
deste Vasto e poderoso Império, está dado o
grande passo da Vossa Independência, e
felicidade a tantos tempos preconizada
pelos grandes Políticos da Europa. Já sois
um Povo Soberano; já entrastes na grande
Sociedade das Nações independentes, a que
tinheis todo o direito. A Honra e Dignidade
Nacional, os desejos de ser venturosos, a
voz da mesma Natureza mandam que as
Colônias deixem de ser Colônias, quando
chegam à sua virilidade, e ainda que
tratados como Colônias não o éreis
realmente, e até por fim éreis um Reino. (...)

O Manifesto, após essa declaração de
independência, contém o plano de governo
de D. Pedro para o Brasil e é concluído
com a convocação aos “brasileiros em
geral” para que se unissem em torno da
causa da Independência e confiassem nele,
na marcha da “prosperidade do Brasil”. D.
Pedro assegura que estará a frente de todos,
enfrentando os maiores perigos e que “A
Minha Felicidade (convencei-vos) existe na
vossa felicidade. É Minha Glória Reger um
Povo brioso e livre”.
No mesmo dia primeiro de agosto D.
Pedro declara inimigas as Tropas
mandadas de Portugal para atacarem o
Brasil e conclama a todos a resistirem com
armas nas mãos a esses inimigos. Orienta
os que não tivessem forças necessárias
para enfrentá-las em guerra tradicional que
usassem o método da guerrilha e se
afastassem dos núcleos urbanos costeiros
levando todo mantimento e animais que
pudessem alimentar os inimigos. Em
outubro o brigadeiro Madeira informa às
Cortes que restava fiel ao governo
português, na Bahia, apenas Salvador.
Poucos dias após (6/8/1822), é divulgado
o Manifesto às nações que tinham relações
políticas e comerciais com o Brasil
pedindo apoio a sua independência
esperando que os homens sábios e
imparciais de todo o Mundo, e que os
Governos e Nações Amigas do Brasil hajam
de fazer justiça à decisão brasileira. D.
Pedro convida-os a “continuarem com o
Reino do Brasil as mesmas relações de
mútuo interesse e amizade”.
Esses documentos, principalmente o
Manifesto aos povos do Brasil, foram
encaminhados aos governos civil e militar
de todas as províncias. Podemos constatar
isso na circular de José Bonifácio à Câmara
da vila de Porto Seguro, datada de 7 de
agosto de 1822. Também foram divulgados
através de sua publicação nos jornais da
época, por exemplo, o Diário do Rio de
Janeiro, consultado. Esse jornal publicou
as iniciativas da sociedade de
recolhimento de doações para o governo
arcar com as despesas da guerra iminente.
D. Pedro então teve que viajar para São
Paulo, a fim de acalmar os ânimos dos
paulistas, revoltados com a manobra de
José Bonifácio e de seu irmão Martim
Francisco, destituindo dois membros da
Junta do Governo Civil, queridos pela
população, e substituí-los por seus
apadrinhados. D. Pedro anulou essas
nomeações. Partiu do Rio de Janeiro em 14
de agosto. Nessas viagens, o rei ou o
príncipe era acompanhado de guarda de
honra formada por autoridades
engalanadas que ofereciam ao monarca o
que de melhor possuíam de montaria,
viaturas, roupa e alimentos. Ao se
aproximar de uma vila ou cidade, a
comitiva parava para que a delegação
daquele lugar viesse receber o monarca e
substituir a guarda. Por isso, D. Pedro e
sua comitiva pararam na região do Rio
Ipiranga, próximo à cidade de São Paulo.
Nesse momento, o oficial que viera
portando documentos para D. Pedro e o
funcionário do correio se encontraram
com a comitiva e entregaram cartas da
princesa Leopoldina, narrando os fatos
sobre as Cortes de Lisboa e a agitação da
cidade do Rio de Janeiro. Foi esse o
momento ideal para que D. Pedro, no dia 7
de setembro, marcasse e referendasse a
Independência já proclamada, em território
paulista. Esse discurso simbólico pode ser
lido na Proclamação aos paulistas datada
do dia 8 seguinte.
Honrados Paulistanos: o amor que Eu
consagro ao Brasil em geral, e à vossa
Província em particular, por ser aquela, que
perante Mim e o Mundo inteiro fez conhecer
primeiro que todos o sistema maquiavélico,
desorganizador e faccioso das Cortes de
Lisboa, Me obrigou a vir entre vós fazer
consolidar a fraternal união e tranquilidade,
que vacilava e era ameaçada por
desorganizadores, que em breve
conhecereis. (...) Eu vos Asseguro que cousa
nenhuma Me poderia ser mais sensível do
que o golpe que Minha Alma sofre,
separando-Me de Meus Amigos Paulistanos
(...) A Divisa do Brasil deve ser
INDEPENDÊNCIA OU MORTE . (...)

A partir desse ato simbólico foram
elaborados o Tope Nacional, os Escudos de
Armas, o Hino da Independência, e outros
ícones do novo império americano, como a
cerimônia de entrega da bandeira. Em 12
de outubro (aniversário de D. Pedro) ele
foi consagrado Imperado D. Pedro I e
coroado em 1 de dezembro de 1822.

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