MUITAS COISAS mudaram nas últimas décadas. Algumas são mais evidentes, como o aumento do uso de telefones celulares (segundo a Anatel, são 191 milhões no Brasil, mais do que um por habitante). Outras mudanças são menos óbvias, como o aumento do isolamento urbano e a pandemia de depressão.Uma transformação recente de que quase ninguém fala é a extinção de algumas palavras. Pode parecer uma bobagem vernacular, mas não é. A linguagem (ainda) é a forma mais eficiente para a transmissão de ideias. Um termo que desaparece ou tem seu significado esvaziado costuma indicar que são poucos os que ainda pensam no assunto.
"Original", por exemplo, é uma palavra que perdeu importância e vem, aos poucos, perdendo o sentido. À medida que produtos, serviços e relações são cada vez mais compostas de ideias e cada vez menos de matéria, ter originalidade perde relevância. Por mais criativas que sejam, ideias não têm substância. É impossível encontrar sua semente original, seja para preservá-la ou para destruí-la.
Outra palavra que desapareceu foi o Futuro. Assim, em maiúsculas, o grande Futuro substantivo, a Utopia para a qual seguiríamos de mãos dadas. Mesmo sendo fundamental para a construção de praticamente todas as sociedades e religiões ocidentais, ele vem desaparecendo. Ainda se fala no amanhã, no porvir, em tempos futuros. Mas eles são vários, individuais, pequenos. Falar em um único e abrangente Futuro parece, ironicamente, uma coisa velha e ultrapassada.
Não se sabe exatamente quando foi que pararam de falar nele. Desde a metade do século passado, a migração e a urbanização misturaram culturas, valores e ideais de uma forma sem precedentes, eliminando absolutos e certezas. E, onde não há unanimidades, não se pode determinar com precisão o caminho a seguir.
No início da década de 80, filmes como "Blade Runner" já anunciavam que o mundo daqui a alguns séculos poderia ter as mesmas contradições do presente. Anos mais tarde, o "bug" do milênio removeria qualquer esperança pela Era de Aquário, mesmo que seus danos tenham sido mais imaginários do que palpáveis.
O Paraíso e o Armagedom caminham de mãos dadas. Eles estão sempre próximos, mesmo que nunca se manifestem. Em uma economia de ideias, símbolos são mais tangíveis do que originais.

(Luli Radfahrer- folha@luli.com.br
)
FONTE: Folha de S.P
Print Friendly and PDF

0 Deixe aqui seu comentário: