LULI RADFAHRER

A gambiarra é o primeiro passo para a evolução tecnológica

Somos todos hackers. No sentido estrito do termo, não há quem considere todos os mecanismos que vê como estruturas perfeitas, intocáveis. Pouco importa o refinamento da tecnologia, sempre há algo a ser feito para melhorá-la. Personalizar, recondicionar e reciclar são verbos tão comuns que muitas vezes mal se nota seu uso.

Hacking é um termo inglês que não tem tradução. Ou melhor, tem: é uma gambiarra. Prática comum entre curiosos que conhecem bem as suas ferramentas a ponto de saber que podem oferecer mais do que declaram inicialmente.

É uma prática saudável e inteligente, que, ao mostrar as limitações, força a evolução. Em sua natureza criativa, ela não poderia ser mais humana. São tão poucas as espécies que procuram expandir suas capacidades com o emprego de próteses que me pergunto se não estaríamos mais para Homo dissatisfactens do que para sapiens.

Ninguém sabe direito de onde vieram algumas das alterações mais populares - como o Bombril na antena de TV, o durex no cartão de crédito, o silvertape no tênis, o esparadrapo nos óculos, a bolacha de chope para calçar a mesa... A subversão tecnológica é onipresente, mesmo inconsciente.
E, muitas vezes, impotente: gambiarras, como se sabe, são intervenções temporárias e frágeis. Servem mais como crítica construtiva do que como proposta de ação. São, em última instância, aplicações práticas do método científico, do discurso da mídia e da administração política.

Boa parte das tecnologias que nós usamos hoje começou dessa maneira. Os videogames, a internet, a telefonia celular e os microcomputadores são alguns exemplos de grandes indústrias que surgiram em garagens, impulsionadas por entusiastas apaixonados que procuravam "envenenar" suas maquininhas, sem saber direito se o que criavam prestaria para algo. A diversão estava no processo criativo, e não no produto final.

Hackers, quando surgiram, eram apenas mais um desses grupos. Curiosos que exploravam os limites de seus computadorezinhos e das redes que frequentavam, os técnicos amadores foram responsáveis por boa parte dos sistemas de código aberto e software livre que sustentam a internet como a conhecemos atualmente.

Antes que uma mídia apressada em simplificar o assunto passasse a rotular como criminoso qualquer um que forçasse os limites da rede, havia uma certa glória em ser hacker. Voluntários dedicados, boa parte dos pioneiros eram indivíduos libertários, bem-intencionados.

Até hoje há quem use o processo de invasão como atividade política, extraindo informações que não deveriam ser secretas e tornando públicas as fragilidades da segurança nacional, como o fazem os rapazes do LulzSec. De onde você acha que veio boa parte do conteúdo publicado pela organização WikiLeaks?

Mas, como a tentação é grande e há maçãs podres em todos os cestos, é fácil compreender porque muitos bandearam para o crime, em especial em países cuja estrutura para encontrá-los e julgá-los é arcaica e ineficiente.

Se, além disso, o país tiver boas escolas de computação em cidades sem mercado grande o suficiente para absorver seus alunos, a receita estará completa.
É por isso que há tantos deles na Rússia, ou você pensava que eu me referia a outro país?

Fonte: Folha de S. Paulo - tec -
Internet: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/tec/tc1307201127.htm

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