Será possível passar uma semana sem usar nenhum objeto de plástico? Nossa repórter aceitou o desafio. E mergulhou na relação de amor e ódio que a humanidade criou com esse material
Texto: Jéssica Martineli // Foto: Marcelo Trad // Produção de moda: Claudine Luz // Fotodesign: Felipe Gressler
 

O plástico demora mais de uma centena de anos para se decompor, entope bueiros, polui rios, cria manchas de lixo nos oceanos, mata animais marinhos que o confundem com comida... Não é preciso pesquisar muito para encontrar essa lista de acusações em revistas, jornais e na internet. O veredicto parece óbvio: o plástico é um vilão ambiental. E o que fazer, então? Deixar de usá-lo? Foi esse o desafio ao qual me propus, durante uma semana. Sete dias seguidos sem usar nada feito de plástico. Será possível?
Comecei planejando a semana. Papel e lápis na mão (pois canetas são plásticas), fui listar minha rotina, refletir sobre os momentos em que costumo utilizar o material e programar alternativas. Antes de escrever qualquer coisa, o lápis me despertou para a primeira questão. Nele havia um desenho grafado com tinta. E tintas costumam conter componentes plásticos, como a PVA, usada em artesanato, ou a acrílica, para pintura de paredes. Olhei ao redor e percebi que quase tudo recebe camadas de tinta. Repare à sua volta e você vai concordar. Nem bem havia começado a  trabalhar e a primeira hipótese da matéria já estava comprovada: praticamente todos os objetos que utilizamos no dia a dia contêm plástico.
Mas nem sempre foi assim. No tempo dos meus avós, muita coisa era feita com vidro, madeira ou metal, como o ferro de passar, que funcionava a carvão e hoje é relíquia da minha família. Entretanto, no último século, com o desenvolvimento da indústria petroquímica, o plástico virou a matéria-prima mais atrativa do mercado. Afinal, é barato e versátil: pode ser desde um filme fino, transparente e flexível embalando uma bandejinha de mortadela até uma peça robusta, como um para-choque de carro.

O que é, afinal?
Essa variedade toda torna até difícil defini-lo. Foi por isso que procurei o engenheiro químico Telmo Ojeda, professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul. Ele me explicou que plástico é o nome que damos a diversos polímeros, moléculas que têm a maleabilidade como grande característica. Esse plástico básico, por assim dizer, não é um grande problema para a natureza. Cerca de 99% dos polímeros vêm do petróleo, e por isso são orgânicos, como animais e plantas, desfazendo-se na natureza. O problema é que, para tornar o material mais resistente e durável, ele recebe aditivos químicos de inúmeros tipos. E essas substâncias podem causar graves impactos sobre o ambiente e na nossa saúde.
Um exemplo é o bisfenol A, composto usado na fabricação do policarbonato, plástico presente em mamadeiras e no revestimento interno de latas de bebidas, além de outros produtos. Estudos sugerem que ele pode causar câncer, problemas cardíacos, obesidade e hiperatividade, entre outros danos - não é à toa que já foi proibido em alguns países.
Outro problema é que o plástico aditivado não desaparece sozinho. Como é muito barato, nem sempre vale a pena reciclar, então ele vai parar no lixão, em córregos e oceanos - tornando real aquela lista de acusações.

No banheiro, javali e carvão
Teorias à parte, era hora de começar minha provação. Logo no primeiro dia, de manhã, enfrentei um dilema com meus produtos de higiene pessoal. O que fazer com sabonete, xampu, desodorante, pente, escova e pasta de dentes? Até o papel higiênico é embalado em plástico! Com exceção dos meus sabonetes naturais embrulhados em papel, todo o restante precisaria ser descartado.
Trocar o pente comum pelo de madeira foi fácil. Já substituir o desodorante roll on pelo aerosol não era uma vantagem, pois ele tem tampa plástica e é bem mais caro. Os substitutos para a pasta de dentes em bisnaga seriam bicarbonato ou carvão, como se fazia antigamente. Só que o primeiro viria em pacotes plásticos - e, convenhamos, esfregar carvão nos dentes é bem estranho.
Procurando por alternativas, encontrei escovas que, segundo os fabricantes, dispensam o uso do creme dental, por funcionar a partir de um fluxo de íons que remove as placas bacterianas. Achei a solução incrível - até perceber que essa tecnologia, além de cara, é plástica. Há ainda opções de madeira ou bambu com cerdas naturais (geralmente feitas de pelo de animais, como javalis). Porém, só encontrei para comprar em sites de outros países.
Ainda no banheiro, percebi que, além das embalagens, o plástico está no conteúdo. A areia do esfoliante nada mais é que plástico em pedacinhos. Muitos esmaltes têm polimetilmetacrilato - um tipo de silicone. E grande parte dos produtos para cabelo contém álcool polivinílico, um polímero. Acabei ficando só com o básico: sabonete e desodorante. O cabelo ficou ressecado, mas sobrevivi.
Na hora de me vestir, percebi que quase todo o meu guarda-roupa é de fibras sintéticas, como a poliamida ou o poliéster. Optei por peças de algodão e o jeans - sem elastano, pois esse material é feito do plástico poliuretano. O problema é que a semana do teste foi a mais gelada do ano. Minhas opções mais quentes seriam o couro animal (que não considero ecologicamente viável) e a lã natural – ambos caros. Sem contar que botões, solados de calçados e uma infinidade de outros detalhes são feitos de plástico. Reduzi o que pude. E passei frio.

No mercado, na farmácia
Para fazer compras, usei dinheiro vivo, sacado dias antes, para evitar o uso do cartão. No supermercado, o menor desafio foi trocar as sacolinhas por ecobags de algodão, prática que adotei há três anos. Porém, não faço parte da maioria. Uma pesquisa do Ibope com mulheres da Grande São Paulo mostra que 75% delas preferem carregar as compras em sacolas plásticas. O consumo anual desse produto no Brasil é de mais de 12 bilhões de unidades – dá quase duas sacolas por habitante do planeta.
Passei longe da seção dos produtos de limpeza, onde tudo contém plástico ou é embalado por ele. Para limpar a casa teria de apelar para o sabão em pó comprado em caixa de papelão e para os recursos naturais, como limão. Comprei pão em saco de papel, leite em pó e manteiga em lata. Abri mão de iogurtes, queijos, biscoitos e outras coisas práticas que só vêm dentro de plástico ou em caixa longa vida (feita de camadas de polímeros).
Foi aí que percebi como o plástico é útil para nossa saúde. Por causa dele, os alimentos são conservados, embalados e distribuídos sem sofrer contaminação. A geladeira e o fogão - também feitos do onipresente material - evitam que os alimentos se estraguem ou sejam desperdiçados. E, além disso, que medicamento não vem embalado em plástico?

A alternativa é a informação
Diariamente, faço meu trajeto até o trabalho de bicicleta. Lembrei-me de que alguns de seus componentes são plásticos, como o pedal ou o selim, e cogitei outras formas de transporte. Como não dirijo, a opção de ir de carro ficou de fora - ainda bem, porque o plástico representa cerca de 10% do peso de um automóvel. Poderia ir de ônibus ou metrô, mas fiquei pensando na quantidade de plástico (começando pelo bilhete eletrônico) em ambos. Foi fácil chegar à conclusão: mesmo que minha viagem fosse longa, de avião ou barco, estaria sem saída. Nem a mala nem a mochila do pedestre estão livres do plástico. Sem poder ir nem voltar a pé, por causa da distância, escolhi o menor dos males e fui pedalando mesmo.
No trabalho, não pude evitar computador nem telefone. Na hora de comer, também foi impossível fugir do plástico: a comanda do restaurante já é feita do material. Quanto mais eu mergulhava no desafio, mais percebia quanto ele era impossível de ser vencido. Além de estar nos meios de transporte, nas roupas, embalando alimentos, nos produtos de higiene, nos eletrodomésticos, o plástico se infiltra até onde não vemos, como os canos que passam por dentro das paredes e por baixo do chão.
Nestes dias fugindo do plástico, percebi quanto ele é necessário. O grande problema é que não há alternativas. Essa sensação de não ter escolha é o que mais me assusta - e me motiva a procurar informações sobre o assunto. Aliás, esse é o primeiro passo que qualquer um pode dar. Só assim ficamos sabendo, por exemplo, que está tramitando no Congresso Nacional um projeto de lei que pretende banir o bisfenol A (aquele das mamadeiras, que pode causar câncer) do país. O que você acha da proposta? E o seu deputado?


POR TODO LUGARConfira onde o plástico está, descubra seus diferentes nomes, veja se pode ser reciclado e saiba se é possível substituí-lo

Vestuário
Onde tem? Da sola do sapato ao tecido do boné, passando por botões e elásticos.
Principais tipos: Poliamida, poliéster e poliuretano.
É reciclável? Sim, Mas o mais comum é reutilizar, vender, trocar, ou doar peças.
Dá para evitar? Em parte, sim: é possível usar roupas de algodão, linho, seda, couro, lã ou outros tecidos naturais.

Higiene
Onde tem? Em quase todas as embalagens e na composição de alguns produtos.
Principais tipos: Polipropileno, álcool polivinílico, polietileno (PET) e polimetilmetacrilato.
É reciclável? Sim. E o plástico de algumas fórmulas é biodegradável.
Dá para evitar? Existem produtos naturais, à base de plantas, e embalados em papel.

Transporte
Onde tem? No selim da bike, em todo o interior dos automóveis, na mala, no patins...
Principais tipos: Poliestireno, polietileno (PET) e polipropileno
É reciclável? Sim. A indústria de reciclagem de automóveisé um setor bastante lucrativo em alguns países. No Brasil, porém, ainda é bastante restrita.
Dá para evitar? A única alternativa é ir a pé.

Dentro de casa
Onde tem?
Geladeira, fogão, micro-ondas, telefone, computador, TV, brinquedos, tapetes, tubulações, móveis, molduras, tinta...
Principais tipos: Poliestireno, polipropileno e polietileno (PET).
É reciclável? Sim. Depende de cada um encaminhar ao serviço de coleta.
Dá para evitar? Só para alguns itens há opções, como vassoura de cerda natural.

Alimentação
Onde tem?
Embalagens em geral.
Principais tipos: Polietileno (PET), poliestireno e polipropileno
É reciclável? Sim. Depende de cada um encaminhar ao serviço de coleta.
Dá para evitar? Produtos naturais utilizam menos embalagens. Em vez de comprar garrafa de água, pode-se usar filtro de barro. No mercado, ecobags substituem sacolinhas.

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http://revistasorria.com.br/site/edicao/vida-de-plastico.php

1 Deixe aqui seu comentário:

Anônimo disse...

Oi Kátia,

vim conhecer seu blog por causa da indicação da Marcela no post que fez criticando a corrida pelo ranking. Gosto mito da Marcela e de tudo que ela escreve, uma indicação dela certamente será boa coisa e foi.

Seu texto é interessante, não sabia sobre a possível proibição do uso do plástico das mamadeiras e acho mesmo impossível viver sem o plástico, porém o cuidado com a saúde deve estar acima de qualquer outra necessidade.

Um abraço!